SEMINÁRIO NACIONAL DAS CEB´S
JUSTIÇA E PROFECIA A SERVIÇO DA VIDA
JUSTIÇA E PROFECIA NA CIDADE
Alba Maria Pinho de Carvallho
Juazeiro do Norte
24 de março de 2012
I - O DESAFIO DE COMPREENDER O PANORAMA URBANO HOJE: A EXIGÊNCIA DE ATUALIZAÇÃO DA QUESTÃO URBANA NO BRASIL DO SÉCULO XXI
A proposta de reflexão desta Mesa neste Seminário coloca o desafio de uma VISÃO PROFÉTICA SOBRE AS CIDADES, atualizando, dando corpo e materialidade à LUTA PELA JUSTIÇA NO MOMENTO PRESENTE que estamos a viver e construir em nossa caminhada. Para encarnar esta visão profética, precisamos compreender a SITUAÇÃO HOJE ESTAMPADA NAS GRANDES CIDADES, NAS METRÓPOLES, NAS CIDADES MÉDIAS E PEQUENAS CIDADES DESTE PAÍS que nos interpela qual Esfinge de Édipo: decifra-me ou te devoro!...De fato, no exercício da profecia compreender para DENUNCIAR esta situação como ela se apresenta hoje… Apontar os problemas, as questões e como enfrentá-las, construindo nossa UTOPIA DE CIDADE: uma cidade que expresse um MUNDO NOVO, UMA CIDADE QUE ENCARNE O SONHO DE DEUS…
Antes de tudo, é preciso compreender que o BRASIL É UM PAÍS MARCADAMENTE URBANO COM UMA EXTREMA DIVERSIDADE DE ESPAÇOS. E o Brasill vivenciou um PROCESSO DE URBANIZAÇÃO MUITO RÁPIDO E INTENSO que aconteceu especialmente durante a segunda metade do século XX, marcado por PROFUNDAS DESIGUALDADES E EXCLUSÃO URBANÍSTICA, em um perverso processo de apropriação do solo urbano, a gestar uma segregação socioterritorial entre “duas cidades”, a marcar o cenário urbano brasileiro: CIDADE OFICIAL, construída pela força do mercado fundiário e mercado imobiliário dominante e formal, com a apropriação do solo urbano de diferentes formas, inclusive ilegais e irregulares, cidade considerada pelo planejamento urbanístico, dotada de serviços, equipamentos e infraestrutura urbana; CIDADE REAL, denominada de “CIDADE ILEGAL” que se constrói de forma irregular, com uma ocupação inadequada do solo, que foi a ocupação possível dentro do que restou para essa recente população sobrante… É a terra que lhe coube neste latifúndio, como canta Chico Buarque. É a cidade formada por assentamentos precários em mangues, beira de córregos, dunas, várzeas inundáveis; é a cidade vulnerabilizada, sempre no risco e invisibilizada para o planejamento urbano, sempre com déficits e precariedade de serviços e equipamentos urbanos, sem nenhuma proteção do Estado. É preciso atentar que a cidade oficial é também construída com muitas ilegalidades e irregularidades, desrespeitando as regras urbanísticas, que são legitimadas pelo poder dominante…e, em alguns casos, modifica-se a legislação para beneficar o capital em seus grandes empreendimentos no seu processo de apropriação predatória e ilegal do solo urbano.
Cabe sublinhar que, de fato, o Brasil, especialmente na segunda metade do século XX, vivenciou um gigantesco movimento de construção urbana para assentar uma população que cresceu e multiplicou-se de forma impressionante. Basta lembrar que, em 1940, a população que residia nas cidades era de 18 milhões e 800 mil habitantes e, no início de 2000, já era de 138 milhões de habitantes. De onde vem esses milhões de homens e mulhres que ocupam as cidades? Em verdade, vem do campo, do meio rural, submetido a violentos processos de expansão do capital. Logo a questão do campo e a questão da cidade embricam-se no cenário deste Brasil Contemporâneo. Constata-se, que em 60 anos, os assentamentos urbanos foram ampliados de forma a abrigar mais de 125 milhões de pessoas que chegam às cidades. Assim, estas cidades crescem, expandindo-se sem limites e grandes contingentes da população pobre são empurrados para as margens e obrigados a produzir e viver na chamada “cidade ilegal” que tem a sua própria lógica em função da ausência, da carência de espaços urbanos apropriados e que está exposta a toda sorte de riscos. É a cidade abandonada pelo Estado em seu planejamento e que se só se torna visível nas grandes tragédias, transformadas e consumidas como espetáculo pela mídia, em seus circuitos globalizados.
Em verdade, nas cidades deste “Brasil Urbano”, sobrepõe-se as imposições da acumulação do capital, desconsiderando as necessidades humanas dos sobrantes. Hoje, nesta segunda década dos anos 2000, as cidades brasileiras concentram cerca de 81% da população e 90% do PIB, vivendo nas áreas urbanas mais da metade da população pobre, situada nas “periferias da vida”. Cabe esclarecer que esta denominação “periferias da vida” quer indicar muito além do conceito físico de periferia, denunciando a situação de vida nas margens, destituída do acesso a direitos e ao desenvolvimento pleno da humanidade e da própria vida. São milhões de homens e mulheres a habitar as “periferias da vida”, sempre no limite e no risco, com precariedades que se complexificam e se agravam nos processos de expansão do capitalismo contemporâneo que vulnerabiliza e precariza o mundo do trabalho e os trabalhadores…
É fundamental ter presente que a SITUAÇÃO ESTAMPADA NAS CIDADES BRASILEIRAS, NESTA 2ª DÉCADA DO SÉCULO XXI, REVELA UM PANORAMA URBANO MUITO ALTERADO, DIFERENTE EM RELAÇÃO ÀS DÉCADAS PASSADAS, NO INTERIOR DOS FLUXOS DE TRANSFORMAÇÕES DO PRÓPRIO SISTEMA DO CAPITAL. Esta alteração do panorama urbano, no tempo presente, é no sentido do aprofundamento, agravamento e complexificação das desigualdades, das apartações, das segregações territoriais, a circunscrever NOVAS ENCARNAÇÕES DA RIQUEZA E DA POBREZA, como ponto e contraponto de uma mesma realidade do capitalismo globalizado. Assim, a QUESTÃO URBANA assume NOVAS CONFIGURAÇÕES/NOVOS DESENHOS em tempos de financeirização da economia, de mercantilização sem limites, de revolução tecnológica, com novas conexões de tempo e espaço, com crescente força do espaço virtual, materializado na INTERNET e no ritmo acelerado do tempo, com profundas mudanças nos modos de viver e conviver. São tempos de extremo individualismo e de consumismo como modo de existir, de sentir-se gente… É preciso atentar que, em tempos contemporâneos, o consumir não pode ser visto como uma operação do ciclo da economia capitalista mas como modo de existência numa perversa redução dos horizontes de vida…E esse consumismo, como espírito do tempo, atravessa a vida social e impõe-se no universo de vida dos pobres… MERCANTILIZAÇÃO/INDIVIDUALISMO/ CONSUMISMO marcam profundamente o jeito de viver nas cidades, colocando em cheque o coletivo, a solidariedade, a partilha e o espírito da comunidade…
Em verdade, o desafio posto é compreender as NOVAS CONFIGURAÇÕES DA QUESTÃO URBANA DENTRO DO NOVO MODO DE FUNCIONAMENTO DO CAPITALISMO, bem distante do funcionamento capitalista de quatro ou cinco décadas passadas. Hoje, tem-se um NOVO MOMENTO DE EXPANSÃO SEM LIMITES DO SISTEMA DO CAPITAL, DE MERCANTILIZAÇÃO EXACERBADA, DE CONSUMISMO SEM MEDIDAS, nos marcos da chamada “MUNDIALIZAÇÃO COM DOMINÂNCIA FINANCEIRA, em meio ao furacão de uma CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL. Tem-se em curso um sistema capitalista que, na sua expansão sem limites, funciona substituindo, de forma crescente, o “TRABALHO VIVO” de HOMENS e MULHERES pelo “TRABALHO MORTO”, consubstanciado nas MÁQUINAS, gerando um CONTINGENTE CRESCENTE de SOBRANTES, POPULAÇÃO SUPÉRFLUA PARA O CAPITAL, DESTITUÍDA DE DIREITOS, especialmente O DIREITO AO TRABALHO e que o sistema do capital integra, de forma perversa, nomeadamente através do consumo. São TRABALHADORES E TRABALHADORAS SOBRANTES DO MERCADO DE TRABALHO, ESTRUTURALMENTE DESPROTEGIDOS que não vão ser inseridos no mundo do trabalho de forma digna, restando-lhe tentar se segurar no “fio da navalha” do chamado trabalho informal, vivendo no limite e no risco, sempre empurrados para o mundo da ilegalidade. São as populações vulnerabilizadas nas “periferias da vida”, nas teias de uma vida informal, distante do acesso a direitos, inclusive o “direito à cidade”. A pesquisadora Vera Telles, em muitos anos de investigação na cidade de São Paulo, em andanças nas periferias alerta que, nas “cidades globais”, nas metrópoles “a vida social é atravessada por um universo crescente de ilegalidades que passa pelos circuitos da expansiva economia (e cidade) informal, o chamado comércio de bens ilícitos e o tráfico de drogas (e seus fluxos globalizados), com suas sabidas (e mal conhecidas) capilaridades nas redes sociais e nas práticas urbanas” (TELLES, 2007, p. 1-2).
Em verdade, as cidades brasileiras contemporâneas mostram-se cada vez mais incapazes de integrar, mesmo parcialmente, determinados grupos sociais das classes trabalhadoras, especialmente o grande e expressivo contingente da população pobre que, nesta “cidade ilegal”, tenta “sobreviver na adversidade”, sempre nas tramas da informalidade. Nesta perspectiva, é preciso ter sempre presente – como uma luz a iluminar campos de sombra – que o capitalismo contemporâneo gera um mundo com novos ordenamentos, submetidos à lógica sem limites do capital, a produzir vulnerabilidades sociais, inseguranças, riscos que bem se estampam nas cidades, impondo a exigência de ATUALIZAR A QUESTÃO URBANA…QUESTIONA-SE ABRINDO UM CAMPO DE REFLEXÕES: COMO SE MANIFESTA HOJE, NO SÉCULO XXI, A QUESTÃO URBANA, COMO EXPRESSÃO DE UMA QUESTÃO SOCIAL QUE SE AGRAVA A ASSUMIR NOVAS CONFIGURAÇÕES? - Eis a questão decisiva, cuja resposta exige processos de estudo e investigação que pesquisadores estão a desenvolver, indicando fenômenos e problemas e esboçando tendências. Aqui, a nossa pretensão é problematizar, alertando para as mudanças do panorama urbano, a abrir vias de reflexão e discussão.
II - AS CIDADES CONTEMPORÂNEAS NO NOVO CICLO DE MERCANTILIZAÇÃO NA EXPANSÃO CAPITALISTA
Compreender as expressões atuais da Questão Urbana, implica compreender as cidades contemporâneas no novo ciclo de expansão capitalista. Como ponto de partida para compreensão desta realidade urbana, em mutação, no presente é preciso considerar que o BRASIL URBANO DO SÉCULO XX ESTÁ EM MOVIMENTO e, assim sendo, AS CIDADES MUDAM AS SUAS FEIÇÕES, O SEU DESENHO NOS CIRCUITOS DE EXPANSÃO E TRANSFORMAÇÃO DO PRÓPRIO SISTEMA DO CAPITAL.
Hoje, nos marcos da MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL e suas formas própria de acumulação, com dominância financeira, AS CIDADES BRASILEIRAS RECONFIGURAM-SE, REDESENHAM O SEU CENÁRIO COMO ESPAÇO, POR EXCELÊNCIA, PARA GESTÃO DOS PROCESSOS DE ACUMULAÇÃO, TANTO DO CAPITAL NA ESFERA PRODUTIVA, COMO NA ESFERA FINANCEIRA. Emergem, nos espaços urbanos, particularmente nas metrópoles, “Bairros de Negócios”, “Corações Financeiros”; multiplicam-se os empreendimentos comerciais, os shoppings, enfim, difundem-se os equipamentos de consumo, com toda a infra-estrutura em telecomunicações, mão-de-obra especializada e serviços equipados segundo a lógica da rapidez dos fluxos. A rigor, A CIDADE É O “LÓCUS” DA MERCANTILIZAÇÃO SEM LIMITES que perpassa toda a vida social nesta civilização contemporânea do capital. Em verdade, dos poderosos fluxos do capital mundializado ABRE-SE UM NOVO CICLO DE MERCANTILIZAÇÃO NAS CIDADES QUE COMBINA, ARTICULA CONHECIDAS PRÁTICAS URBANAS DE ACUMULAÇÃO COM NOVAS PRÁTICAS DE ACUMULAÇÃO DO CAPITAL, EMPREENDIDAS POR UMA NOVA COALIZÃO DE INTERESSES URBANOS, NA DIREÇÃO DA TRANSFORMAÇÃO DA CIDADE EM UM ESPAÇO DE “MERCANTILIZAÇÃO DE PONTA”.
Assim, circuitos de apropriação do solo urbano, historicamente explorados ao longo dos processo de urbanização, são atualizados na lógica contemporânea, com processos de remercantilização, atendendo a interesses de diferentes frações do capital. Agentes do Mercado Imobiliário, altamente capitalizados com recursos obtidos no mercado financeiros são favorecidos pela oferta de créditos privados e públicos para a produção e aquisição imobiliária. Grandes e médias cidades vivem um “boom imobiliário”, produtor de excrescências contemporâneas, como loteamentos fechados e condomínios verticais, constituídos por torres de apartamentos.
INEGAVELMENTE, NAS CIDADES, A LIVRE MERCANTILIZAÇÃO ASSOCIA-SE A UMA POLÍTICA PERVERSA DE TOLERÂNCIA COM TODAS AS FORMAS DE APROPRIAÇÃO DO SOLO URBANO POR DIFERENTES FRAÇÕES DO CAPITAL. A lógica da mercantilização preside a construção das cidades brasileiras, mobilizando os seus redesenhos:
• Grupos sociais e agentes econômicos que podem pagar acessam as melhores terras urbanas, desfrutando dos investimentos públicos;
• Grupos sociais pobres, sobrantes pagam o pouco que tem para viver em periferias distantes, em terras inadequadamente urbanizadas. Em nossas cidades, paga-se para morar em áreas de risco por falta de alternativas!…
Como uma tendência contemporânea, no âmbito de novas práticas de acumulação nas cidades contemporâneas, emerge o EMPRESARIAMENTO URBANO. Trata-se de um complexo circuito, a congregar ampla gama de interesses, impulsionado pela lógica de expansão do capital global, envolvendo empresas de consultoria em projetos, empresas de pesquisas, de arquitetura, de produção e consumo turísticos, empresas bancárias e financeiras especializadas no crédito imobiliário, empresas de promoção de eventos, dentre outras.
A LÓGICA DO EMPRESARIAMENTO URBANO gesta um PADRÃO DE GOVERNANÇA URBANA peculiar onde planejamento/regulação e rotina das ações são substituídas por um PADRÃO DE INTERVENÇÃO que se funda na EXCEÇÃO. Assim, a política urbana passa a orientar-se pela realização de MÉDIOS e MEGAEVENTOS, a legitimar a ação das ELITES, construindo alianças com os INTERESSES DO COMPLEXO INTERNACIONAL EMPREENDEDORISTA… Neste caso, estão os grandes eventos culturais e esportivos, como Conferências Mundiais, Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo. No Brasil da segunda década do século XXI, a Copa do Mundo de 2014 é um exemplo emblemático, com um orçamento de 23 bilhões, segundo o TCU, a serem investidos em obras milionárias, mobilizando recursos públicos em fluxos de acumulação do capital, em meio a desapropriação de comunidades…
Assim, os cenários urbanos revelam as novas encarnações da riqueza no mundo globalizado. Mas é imprescindível compreender o que acontece no lado pobre das cidades contemporâneas brasileiras, como se movimentam e vivem as populações que habitam as periferias, constituindo a “chamada cidade real”. Em outras palavras, como se revelam as encarnações da pobreza no cenário das cidades brasileiras contemporâneas.
III - NOVAS CONFIGURAÇÕES DA POBREZA NAS CIDADES BRASILEIRAS CONTEMPORÂNEAS
Na dinâmica peculiar de funcionamento do capitalismo contemporâneo, a população pobre vê bloqueada as possibilidades de inserção promissora no mercado de trabalho, constituindo trabalhadores e trabalhadoras sobrantes deste mercado às voltas com o desemprego e as múltiplas formas e jeitos de precarização do trabalho e as formas perversas de integração nas rotas do tráfico de drogas, nos circuitos da prostituição e de distintas vias da criminalidade.
Neste mundo social em mutação da pobreza é preciso atentar para a EXPANSÃO DA ECONOMIA INFORMAL COM NOVAS CONEXÕES E ESCALAS. De fato, a economia informal expande-se por meio de NOVAS ARTICULAÇÕES ENTRE A TRADICIONAL ECONOMIA DE SOBREVIVÊNCIA, OS MERCADOS LOCAIS QUE SE ESPALHAM PELAS REGIÕES, MESMO AS MAIS DISTANTES DA CIDADE E OS CIRCUITOS GLOBALIZADOS. O informal - como alternativa de inserção da pobreza - expande-se pelas vias de redes de subcontratação e formas diversas de mobilização do trabalho temporário, esporádico, intermitente, sempre nos LIMITES INCERTOS ENTRE O INFORMAL, O ILEGAL E O ILÍCITO.
Analistas deste cenário urbano da pobreza, profundamente alterado, chamam atenção - como um fenômeno do nosso tempo - para esse EMBARALHAMENTO ENTRE O INFORMAL, O ILEGAL E O ILÍCITO. HOJE, NAS PERIFERIAS DO MUNDO SOCIAL, TORNAM-SE INCERTAS E INDETERMINADAS AS FRONTEIRAS ENTRE O TRABALHO PRECÁRIO, O EMPREGO TEMPORÁRIO, EXPEDIENTES DE SOBREVIVÊNCIA E ATIVIDADES ILEGAIS, CLANDESTINAS OU DELITUOSAS. Os trabalhadores e trabalhadoras sobrantes lançam mãos de oportunidades legais e ilegais que coexistem e se superpõem nas possibilidades de uma atividade ou de um trabalho que lhe garanta a sobrevivência e a possibilidade de satisfazer, em diferentes, a redução do consumo. Assim, o mundo social é atravessado por uma expansiva trama de ilegalidades que se entrelaçam nas práticas urbanas, circuitos e redes sociais.
Esta pobreza, destituida do direito ao trabalho com a necessária proteção social e envolta na expansiva trama das ilegalidades, vive imersa na PRECARIEDADE, PRIVADA DO ACESSO A DIREITOS BÁSICOS E ELEMENTARES DE SAÚDE, DE EDUCAÇÃO, DE SANEAMENTO, DE MOBILIDADE URBANA, DE INFORMAÇÃO,, DE LAZER, ENFIM, DIREITO AO “BEM VIVER” para além do consumismo como forma de existir. É uma “COLETIVIDADE DE DESPOJADOS DE DIREITOS”.
Para esta coletividade de despojados, a lógica da mercantilização sem limites do capital impõe a PERVERSA INTEGRAÇÃO PELO CONSUMISMO. Nesta perspectiva é preciso atendar para um fenômeno que marca a vida contemporânea nesta civilização do capital: os capitais globalizados transbordam as fortalezas globais, concentradas no moderno setor rico das cidades, fazendo expandir o consumo de bens materiais simbólicos que atingem os mercados de consumo popular. Mesmo nas regiões mais distantes das cidades, circuitos do mercado e grandes equipamentos de consumo estão presentes, exercendo a sua sedução, como via para existência neste mundo social, regido pela lógica do mercado.
A antropóloga Alba Zaluar, que há décadas investiga a pobreza, nos ensina que, se quisermos entender alguma coisa do que anda acontecendo, será preciso investigar o modo como se articulam a sedução encantatória do moderno mercado de consumo e o bloqueio de chances promissoras do mercado de trabalho, as práticas ilícitas que atravessam a dita economia (e cidade) informal e os circuitos do tráfico de drogas, com suas capilaridades nas práticas cotidianas e nas tramas da sociabilidade popular.
Neste cenário de destituição de direitos, de expansão da economia informal, de precarização do trabalho, de embaralhamento entre ilegal, informal e ilícito, nas teias de uma expansiva trama de ilegalidades, cresce a VIOLÊNCIA, QUER DIZER A MORTE VIOLENTA, “MORTE MATADA” como se diz na linguagem popular, atingindo as juventudes que habitam as “periferias da vida”. São jovens do sexo maasculino, entre 14 e 20 anos, sobremodo negros, dizimados violentamente, configurando a tragédia urbana da “MORTALIDADE JUVENIL”, em número alarmantes comparáveis e, por vezes, piores, às regiões ou países em situação de guerra civil…
IV – O ESTADO BRASILEIRO NOS PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO E (RE)CONFIGURAÇÕES DAS CIDADES BRASILEIRAS: A POLÍTICA URBANA EM QUESTÃO
Nesta realidade urbana em mutação das cidades brasileiras contemporâneas - onde estão encarnadas as novas expressões da riqueza e da pobreza – como se insere o Estado Brasileiro no desenvolvimento da Política Urbana? Qual tem sido o seu papel nos processos de construção e reconfiguração das cidades nos processos de expansão capitalista? E, hoje, dez anos após a aprovação do Estatuto da Cidade – como resultante de ampla mobilização social – como esta a sua implantação no sentido de garantir o direito a cidade.
De fato, o Estado Brasileiro tem se constituído o grande mediador do processo de acumulação urbana, funcionando como “condottiere”, condutor da coalizão mercantilizadora da cidade intervindo em favor dos interesses das diferentes frações do capital que atuam na acumulação urbana, através de diferentes formas e/ou mecanismos:
• Protegendo os interesses da acumulação urbana de concorrência de outros circuitos;
• Realizando encomenda de construção de vultuosas obras urbanas;
• Omitindo-se em seu papel de planejador e regulador do crescimento urbano, servindo à mercantilização da cidade.
Neste papel de mediador da acumulação urbana nas cidades brasileiras, o Estado viabiliza investimentos públicos em serviços, equipamentos e infraestrutura urbana, associados a frações do mercado fundiário e imobiliário. Assim, tais investimentos públicos distribuem-se de modo desigual nos espaços das cidades, em detrimento das áreas urbanas produzidas irregularmente e ocupadas pelos mais pobres.
Cabe ressaltar que a produção de espaços irregulares ocupados, ao longo dos processos de produção e reconfiguração das cidades é fruto de omissões históricas do poder público, tanto em relação às ações regulatórias e fiscalizatórias quanto em relação à provisão de solos urbanizados adequadamente.
É importante reconhecer que os sobrantes da chamada “cidade ilegal” vem, ao longo de décadas, mobilizando-se em função do “direito a cidade”, do direito a ter acesso à infraestrutura, aos serviços e equipamentos urbanos.
A LUTA PELA REFORMA URBANA é um MARCO NO PROCESSO DE ORGANIZAÇÃO POR CIDADES DEMOCRÁTICAS, JUSTAS E SUSTENTÁVEIS. De fato, a Questão Democrática e a Questão Distributiva foram traduzidas pelos Movimentos Sociais em propostas de Reforma Urbana que passaram a integrar o arcabouço do ESTATUTO DA CIDADE, Lei Federal aprovada em 2001, após 13 anos de tramitação no Congresso Nacional. O Estatuto da Cidade devem encarnar-se em Planos Diretores que, democraticamente garantam direitos a cidade da população que nela habita.
Após 11 anos de Estatuto da Cidade, as cidades brasileiras nunca precisaram tanto de políticas, ações, investimentos e regulações públicas capazes de controlar e limitar a mercantilização dessas cidades e, especificamente a apropriação predatória e excludente das terras urbanas. Podemos dizer que, apesar dos avanços jurídicos e institucionais, estamos em um momento crítico na Política Urbana.
Cabe sublinhar determinados limites e entraves:
• Paralisação da implementação do Estatuto da Cidade;
• Muitos Planos Diretores permanecem no papel por razões técnicas e políticas, não tornando realidade o cumprimento da função social das cidades e propriedades urbanas
• Nas cidades vigoram práticas de formulação de planos diretores sem previsão de obras estruturais
Realização de obras ocorre dissociada de processos de regulação e planejamento urbano
• Construção do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social caminha lentamente
• Está para ser colocado em prática o marco legal do saneamento ambiental
• Política nacional de mobilidade não saiu do papel
V - CONCLUINDO
Traçado este esboço do panorama urbano estampado nas cidades, cabe colocar a questão-chave: COMO ENFRENTAR ESTE PANORAMA, COM UMA AÇÃO TRANSFORMADORA, OU MELHOR, COMO AVALIAR POSSIBILIDADES DE ENFRENTAMENTO, CIRCUNSCREVENDO O QUE JÁ ESTÁ EM PROCESSO E OS DESAFIOS POSTOS.
O MUNDO SOCIAL CONSTRUIDO NAS CIDADES É UM MUNDO DE INSEGURANÇAS, RISCOS, INCERTEZAS, DESIGUALDADES… COMO FAZER DAS CIDADES ESPAÇOS DE ACOLHIDA/ACONCHEGO PARA NÓS, HOMENS E MULHERES, EM NOSSA CAMINHADA NO PLANETA TERRA?
É ESTE O GRANDE DESAFIO A MOBILIZAR O NOSSO PENSAMENTO, AS NOSSAS ENERGIAS, A NOS INQUIETAR... É PRECISO DEIXAR CLARO UM PRESSUPOSTO: SÓ O COLETIVO TEM FORÇA PARA CONFRONTAR COM ESTA LÓGICA DE MERCANTILIZAÇÃO QUE ATRAVESSA AS CIDADES EM TODAS AS SUAS TRAGÉDIAS URBANAS… NESSE SENTIDO, IMPÕE-SE RECONHECER E AVALIAR O POTENCIAL DOS MOVIMENTOS SOCIAIS, ESTANDO ATENTO PARA AS NOVAS CONFIGURAÇÕES DESSES MOVIMENTOS SOCIAIS, NESTA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XXI.
O ESPÍRITO DE COMUNIDADE, MATERIALIZADO NA SOLIDARIEDADE ACONHEGANTE, NA PARTILHA FRATERNA, NA CONSTRUÇÃO DA PLENA HUMANIDADE, FUNDADO NA DIALÉTICA IGUALDADE/DIFERENÇA É A VIA EMANCIPATÓRIA POR EXCELÊNCIA… E AS CEB´S SÃO UMA ENCARNAÇÃO VIVA DESTE ESPÍRITO DE COMUNIDADE QUE CONTEM A VIDA, A CONFRONTAR COM A LÓGICA DE MORTE DA EXPANSÃO CAPITALISTA. ASSIM, AS CEB´S TEM UM IMENSO POTENCIAL EMANCIPATÓRIO… IMPÕE-SE UM DESAFIO DO NOSSO TEMPO: RECRIAR AS CEB´S, AFIRMANDO HORIZONTES E ESPAÇOS NA CONSTRUÇÃO DE NOSSA UTOPIA DE CIDADES SUSTENTÁVEIS, DEMOCRÁTICAS, JUSTAS, A REALIZAR O SONHO DE DEUS, ONDE AS DIFERENÇAS SEJAM RECONHECIDAS E RESPEITADAS, NA BUSCA INCESSANTE DA IGUALDADE!...
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