No Testemunho dos Mártires: Terra, Água e Dignidade!
Somos Romeiros e Romeiras da Terra, vindos de diversos recantos do Ceará: dos Sertões, das Serras e dos Litorais. Reunidos em Itapipoca, levantamos as bandeiras de luta por Terra, Água e Dignidade e celebramos a memória dos Mártires da Terra que, em nosso Ceará e no Brasil inteiro, tombaram na luta pela posse e permanência na Terra.
Nossas práticas, tão antigas e, ao mesmo tempo atuais, expressam o jeito camponês de viver no sertão e fazer o sertão viver: são os quintais produtivos, as mandalas, as hortas comunitárias, as casas de sementes, as criações de pequenos animais, a agrofloresta, as feiras da agricultura familiar camponesa, as experiências de educação do campo e tantas outras, que mostram que é possível viver no sertão de forma equilibrada e harmoniosa com a natureza.
A prática e a produção da agricultura camponesa, quando consideramos o seu conjunto, é grande e relevante seja economicamente, seja como fonte de renda e ocupação, seja como gestão sustentável do território e organização política, geradora de cidadania. Em contradição a essa caminhada lenta, mas real de crescimento, que conta também com políticas públicas que apóiam a agricultura camponesa, indígena e quilombola, deparamo-nos com os investimentos do poder público no agrohidronegocio, nos agrocombustíveis, na produção de energia, na mineração e na infra-estrutura para o turismo, que agridem nosso território, nossa cultura, nossa economia. Lembramos como exemplos, os projetos de irrigação no Vale do Jaguaribe, na Chapada do Apodi e Serra da Ibiapaba; a construção de grandes barragens e a transposição do Rio São Francisco; a Transnordestina, a mineração de urânio e fosfato de Itataia e a mineração nos Inhamuns; a carcinicultura no litoral, o loteamento do mar para a pesca predatória e as obras da Copa, em Fortaleza. Esses projetos seguem a lógica do falso desenvolvimento pseudo liberal, em que a Terra, a Água, o mar, as sementes, os seres vivos, tudo é reduzido à mercadoria, além de causarem migrações forçadas, superexploração, expropriação e humilhações nas famílias camponesas. O Estado é chamado a subsidiar estes projetos, com recursos infinitamente superiores aos destinados à agricultura familiar camponesa. Essas políticas vêm causando graves impactos sociais e ambientais, deslocando populações, atingido sua saúde e cultura, envenenando irreparavelmente a terra, água e o ar, com agrotóxicos, resíduos radioativos, com lixo. A legislação e a concessão de licenças estão sendo submetidas à lógica das empresas que privatizam os lucros e descarregam os custos sociais, ambientais e de construção da infraestrutura para a sociedade e deixam dívidas impagáveis para as futuras gerações. Essa lógica teve sua manifestação na recente aprovação do Código Florestal e das relativas emendas que fez vibrar de alegria as forças do latifúndio, acostumadas a se colocar acima da lei e que se sentiram autorizadas a desmatar e matar impunemente. Em poucos dias, cresceu a lista dos assassinatos no campo e fica a preocupação com a lentidão do judiciário em julgar e condenar os executores e principalmente os mandantes dos crimes.
Diante disso, reafirmamos o compromisso das Pastorais e Movimentos Sociais do campo e da cidade com a luta pela Reforma Agrária; a resistência ao atual modelo de desenvolvimento; na luta pela defesa da soberania alimentar, soberania energética e do uso da água como direito de todas as formas de vida. Defendemos a luta dos povos originais – indígenas, quilombolas e sertanejos, pelo seu reconhecimento e dignidade. Somos parte da construção de um Projeto Popular a partir do campo, baseado nos princípios da sustentabilidade ambiental, social e cultural.
Romeiros e Romeiras da Terra, da utopia de mundo novo, caminhemos rumo à Terra Sem Males. Continuemos com as mãos na massa, os pés firmes no chão, como povo de Deus que reza, mas coloca a oração no chão da Terra e da Vida, com nossos sonhos e esperanças. Que possamos, ao longo do caminho, apreciar a criatividade e alegria das culturas dos povos da terra e a beleza da natureza: acolher o gorjeio dos pássaros e os clamores dos pobres, sentir o perfume das flores e do nosso chão e que nossos ouvidos ouçam o barulho das águas e os gritos dos profetas! Que a Terra e Água e todos os Seres Vivos sejam por todos respeitados para a glória de Deus brilhar!
Com a proteção de Nossa Senhora das Mercês, agradecemos de coração a hospitalidade do povo de Itapipoca, as comunidades e caravanas dos municípios aqui presentes, na certeza de nos reencontrarmos mais enriquecidos de novas conquistas e ainda mais firmes na luta no dia 04 de agosto de 2013, na 16ª Romaria da Terra do Ceará.
Itapipoca – CE, 07 de agosto de 2011
Comissão Pastoral da Terra do Ceará
Diocese de Itapipoca
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